| tree | INF1 Olhe que eu tinha lá tinha lá livros do tempo da Inquisição.
|
| tree | INF2 Teve lá um livro, como é que se chamava?
|
| tree | O Palavrófio?
|
| tree | INF1 O Palavrófio.
|
| tree | |
| tree | |
| tree | INF2 Sim.
|
| tree | |
| tree | |
| tree | INF2 Ai, um livrinho tão antigo, tão antigo!
|
| tree | INF1 Ainda era do tempo que não havia máquinas de escrever à mão.
|
| tree | INF2 Tudo a, a [vocalização] a, pois, escrever com estas escritas…
|
| tree | |
| tree | INF1 Eu uma vez fui à Covilhã – que eu fui eu fui lá muita vez; [vocalização] já dormi em tanto lado –
|
| tree | fui lá então
|
| tree | [pausa] e para cá apanhei boleia, que foi o Deolindo ali que me trouxe.
|
| tree | INF3 O senhor Deolindo ali da farmácia.
|
| tree | INF1 E eu os papéis, ah!, nunca os avenho.
|
| tree | Tinha lá uma rima!
|
| tree | Livros que eu sei lá!
|
| tree | Agora é que já não!
|
| tree | Já os levou a minha aqui a minha nora.
|
| tree | E eu tinha três filhos,
|
| tree | já os dividi por todos os três.
|
| tree | E ele veio lá a casa para me perguntar pelo jornal do do Dinis.
|
| tree | E eu tinha lá, [pausa] do pai dele.
|
| tree | pai desses Dinis, que era um homem que vossemecê não calcula, nem sabe nem a metade!
|
| tree | A barba chegava-lhe até aqui.
|
| tree | Foi daqueles que chegou à c-, a a Lisboa…
|
| tree | [pausa] Dois homens que aqui foram presos e estavam ali na em Lisboa, no barco, para embarcarem, para nunca mais os verem.
|
| tree | [pausa] As mulheres deles, aqui, pediram ali ao senhor – chamam Deucalião Dinis –
|
| tree | [pausa] e ele disse:
|
| tree | "Quem lá vai sou eu"!
|
| tree | Ele chamava toda a gente por tu.
|
| tree | Até o próprio pai dele tio chamava por tu que era o Diogo.
|
| tree | E vai daqui para Lisboa
|
| tree | [pausa] e chega lá
|
| tree | diz para o que estava para embarcar com o barco, com eles lá dentro:
|
| tree | |
| tree | INF1 "O barco está aqui três dias e três noites à minha ordem.
|
| tree | Tudo o que houver, pago eu.
|
| tree | [pausa] Não abala daqui o barco sem estar comigo, sem eu dar ordem.
|
| tree | [vocalização] Aqui este Como é a minha fotografia?
|
| tree | Eu sou Desidério Deucalião Dinis, filho do primeiro conde do Refúgio da Covilhã".
|
| tree | |
| tree | INF3 Da Covilhã.
|
| tree | INF2 Do Refúgio.
|
| tree | INF1 Do Refúgio da Covilhã.
|
| tree | |
| tree | INF1 "Sou filho do primeiro conde, do filho do do primeiro filho do conde do Refúgio da Covilhã"!
|
| tree | E então o barco esteve lá à ordem dele.
|
| tree | [pausa] E ele daqui para além, dalém para aqui, foi falar com o Salazar.
|
| tree | [pausa] Mas ele deu três dias para lá ir falar com ele.
|
| tree | |
| tree | INF1 Lá, lá falou com ele
|
| tree | e pediu-lhe então para botar aqueles homens, que um que era tinha amparo de mulher, que era a mulher aleijada, [pausa] faltava-lhe um braço.
|
| tree | INF3 Faltava-lhe um braço.
|
| tree | INF1 E o outro tinha quatro filhos pequenitos,
|
| tree | que visse lá, que era preciso criá-los.
|
| tree | E então [vocalização] o Salazar obedeceu-lhe.
|
| tree | INF2 Só esse homem é que tratou por senhor,
|
| tree | o mais era tudo por tu.
|
| tree | INF1 Ai [vocalização] , esse senhor chamou o Salazar por senhor.
|
| tree | |
| tree | INF1 Não é tu cá, tu lá.
|
| tree | |
| tree | INF1 Sim, e uma vez, no tribunal, tinha um pedido para o tribunal, para o doutor juiz,
|
| tree | mas lá o doutor juiz não lhe quis obedecer.
|
| tree | Ele vai com uma bengala,
|
| tree | aperta além com ele pela cabeça, uma trancada pelos cornos,
|
| tree | os [vocalização] outros que lá estavam partaram todos a fugir.
|
| tree | E não quiseram nada com ele!
|
| tree | |
| tree | INF1 Mas era no tempo da monarquia!
|
| tree | INF2 Ai, toda a gente tinha medo dele!
|
| tree | |
| tree | INF2 Eu não.
|
| tree | Eu já não.
|
| tree | Ouço contar.
|
| tree | INF3 É o que ouve,
|
| tree | é o que ouve!
|
| tree | INF2 Ouço contar a história.
|
| tree | INF3 Esse era lá então…
|
| tree | Esse livro era lá desse tempo.
|
| tree | |
| tree | INF3 Depois, o senhor Diágoras, calharam assim a vir a falar um bocado nele,
|
| tree | e ele disse que tinha lá o jornal de quando ele morreu.
|
| tree | Disse assim:
|
| tree | "Olhe, há-de-mo mostrar"!
|
| tree | Ele veio lá a casa,
|
| tree | mas eu já o lá não tinha.
|
| tree | INF1 Estava lá
|
| tree | mas é do filho.
|
| tree | INF3 Estava lá
|
| tree | mas era de, de do filho.
|
| tree | INF1 E tinha-o lá bom.
|
| tree | INF3 Ele disse:
|
| tree | "Olhe, não é desse que me eu interes- que me interessava,
|
| tree | era do próprio pai"!
|
| tree | E depois viu então aquele livro, que chamava ele o Palavrófio,
|
| tree | "Posso"?…
|
| tree | |
| tree | |
| tree | INF3 Palavrófio.
|
| tree | INF1 Palavrófio.
|
| tree | INF3 Disse:
|
| tree | "Olhe, ó senhor Delmiro, eu levo este livro e depois"…
|
| tree | INF2 "Empreste-mo"!
|
| tree | INF3 "Empreste-mo que eu eu depois devolvo".
|
| tree | INF1 "Ai, este tem que mo emprestar!
|
| tree | Ai, este tem que mo emprestar"!
|
| tree | "Então leve-o"!
|
| tree | INF3 Claro, o homem também não lho deu,
|
| tree | ele também lhe ainda o não pediu.
|
| tree | Que se pedisse, o homem, claro…
|
| tree | INF1 Eu não o li …
|
| tree | INF2 Eu também tenho apenas…
|
| tree | |
| tree | INF3 Era.
|
| tree | INF2 Tenho apenas a quarta classe.
|
| tree | É escrito à m- à mão, assim,
|
| tree | [pausa] parece que é a fugir ao resto…
|
| tree | INF1 [vocalização] Era no tempo da antiga lei.
|
| tree | tempo da Inquisição.
|
| tree | |
| tree | |
| tree | INF3 [vocalização] Era muito importante.
|
| tree | E o homem disse assim:
|
| tree | "Olhe, eu depois dou-lho, ó senhor Delmiro.
|
| tree | Eu depois devolvo".
|
| tree | Claro, o homem, pronto, a gente se lho pedisse…
|
| tree | INF1 Já o não largou.
|
| tree | Assim que lhe foi à mão…
|
| tree | INF3 A gente se lho pedisse, ele já o tinha dado.
|
| tree | Que ele logo disse que o dava.
|
| tree | E a gente, claro…
|
| tree | [vocalização] Temos Bem, amanhã [vocalização] os netos até o podiam ler, que agora já andam a estudar, não é?
|
| tree | |
| tree | INF3 Já o podiam ler.
|
| tree | Mas, um dia que calhe, depois a gente ainda lho pede.
|
| tree | E tínhamos então lá muito livro!
|
| tree | Mas muitos!
|
| tree | INF1 Eu não aventava nada.
|
| tree | INF3 Ele já os não lia porque já já não via.
|
| tree | INF1 E os do Espírito Santo, [pausa] aceitava.
|
| tree | Que eu tenho lá a Bíblia do Espírito Santo.
|
| tree | Tenho dos Católicos.
|
| tree | [pausa] Portanto, eu não os avento.
|
| tree | |
| tree | |
| tree | INF1 Estão ali.
|
| tree | Não pagam pão!
|
| tree | INF3 [vocalização] Ele já Ele já os não lia…
|
| tree | INF1 Já agora já os lá não tenho.
|
| tree | INF3 Ele já os não lia,
|
| tree | já disse eu assim:
|
| tree | INF1 Ainda a minha sogra trabalhava.
|
| tree | INF3 "Então, olha lá, tu já não lês os livros,
|
| tree | eu não sei ler,
|
| tree | então que andam agora aqui a fazer?
|
| tree | com os netos"!
|
| tree | <
|
| tree | e ele lá então…
|
| tree | [vocalização] E os netos lá os levaram.
|
| tree | INF1 E esse do pai deles, eu tinha-o lá,
|
| tree | mas a minha filha, coitadinha, quando ele os meus filhos eram pequeninos, para os calar, não sei, dava-lhos, para se entreterem…
|
| tree | |
| tree | INF1 E desapareceram-me.
|
| tree | |
| tree | INF3 A gente, às vezes, não os sabia calar!
|
| tree | INF1 E eu agora tenho lá tinha lá
|
| tree | mas era desses de agora.
|
| tree | Onde é que eu tenho agora jornais dos netos?
|
| tree | INF3 Às vezes não se acudiam calados,
|
| tree | e a gente o que os queria era calados,
|
| tree | vezes dava-lhe um papel.
|
| tree | INF2 Papel.
|
| tree | |
| tree | INF3 [vocalização] Pronto, eles, brinquedos, não os tinham.
|
| tree | |
| tree | INF3 Porque a gente, claro, não dava para lhe comprar brinquedos – que não era como agora, que agora têm tudo –,
|
| tree | a gente não tinha…
|
| tree | Sabe como é que se eles entretinham a brincar?
|
| tree | A gente andava por lá a trabalhar,
|
| tree | e eles então apanhavam assim o sujo das cabras – chama-lhe a gente caganetas –,
|
| tree | [vocalização] apanhavam aquelas caganetas,
|
| tree | faziam então assim um um bardo, na própria terra,
|
| tree | botavam para lá,
|
| tree | estavam a brincar com aquilo.
|
| tree | Diz que eram as cabras.
|
| tree | Estendiam assim:
|
| tree | "Esta Esta é a Amarela,
|
| tree | esta é a Branca,
|
| tree | esta é"…
|
| tree | INF2 Brincavam assim.
|
| tree | INF1 Como ouviam, assim…
|
| tree | |
| tree | INF3 Brincavam assim, coitadinhos.
|
| tree | |
| tree | |
| tree | INF3 A gente, às vezes, em casa :
|
| tree | :[pausa] "Olha"!
|
| tree | Estavam a chorar,
|
| tree | "Olha isto"!
|
| tree | um papel, uma coisa,
|
| tree | lá se entre- lá se entretinham.
|
| tree | A gente o que os queria era entretidos para se fazer a vida.
|
| tree | |
| tree | INF3 Como lhe acabo de dizer, não havia assim brinquedos como há agora.
|
| 