| tree | |
| tree | INF1 Para a gente tirar o o pus que lá…
|
| tree | Que se não fosse isso, a gente…
|
| tree | Olhe, uma como a mim morria.
|
| tree | Porque eu tenho sinusite na cabeça.
|
| tree | E quando eu trouxer estas dores muito grandes de cabeça e que a p- e a cabeça muito pesada, é é o pus que anda cá dentro.
|
| tree | INF2 Pois é.
|
| tree | INF1 E depois quando começa…
|
| tree | Se me deitar assim um bocadinho, assim – que eu não gosto de me deitar assim de barriga para o ar – mas se me deitar um bocadinho, eu sinto correr tudo para a garganta.
|
| tree | INF2 Ah!
|
| tree | INF1 Aquele pus.
|
| tree | Depois, quando eu sinto correr, levanto-me,
|
| tree | ponho assim no bacio,
|
| tree | corre em fio.
|
| tree | Tenho uma sinusite muito grande, eu.
|
| tree | Diz que a apanhei de chorar muito,
|
| tree | disse o senhor doutor.
|
| tree | INF2 Pois é.
|
| tree | INF1 E chorei muito, chorei.
|
| tree | Chorei muita lagrimazinha.
|
| tree | Aquele filhinho que me lá ficou fora, um homem.
|
| tree | Se Se a senhora o conhecesse!
|
| tree | Muito forte!
|
| tree | Mais forte que o marido da senhora.
|
| tree | Muito alto, muito elegante, o cabelo muito grifo, umas sobrancelhas muito carregadas, umas pestanas assim compridas, os olhos pretos, grandes, lindos!
|
| tree | Era tão lindo!
|
| tree | Não era?
|
| tree | O meu filho, não era tão lindo?
|
| tree | INF2 Pois era.
|
| tree | INF1 Era tão lindo!
|
| tree | Era um cravo!
|
| tree | Aquilo era um cravo!
|
| tree | E lá me ficou,
|
| tree | nunca mais o vi.
|
| tree | Nunca mais vi aquele filhinho.
|
| tree | Já estava para se vir embora.
|
| tree | Já só lhe faltavam quarenta dias para vir embora.
|
| tree | E na- E lá me ele ficou,
|
| tree | lá me morreu.
|
| tree | Chorei tanto, tanto, tanto por aquele filhinho,
|
| tree | nem me quero lembrar dele!
|
| tree | Chorei tanta lágrima
|
| tree | e passei tantos trabalhinhos para o criar, tantos, tantos!
|
| tree | Tanta fominha, minha senhora.
|
| tree | Não tenho vergonha de o dizer.
|
| tree | A gente vivíamos aqui e depois…
|
| tree | Que aqui não se ganhava nada,
|
| tree | não havia trabalhos para se trabalhar.
|
| tree | Fomos para Viseu, que o meu marido era de lá perto.
|
| tree | Fomos para lá para Viseu,
|
| tree | arrendámos para lá uma casinha,
|
| tree | estivemos para lá…
|
| tree | Eu andava por lá a trabalhar e o pai a trabalhar,
|
| tree | tempo não se ganhava nada,
|
| tree | não havia…
|
| tree | Não ganhávamos para comer.
|
| tree | Passámos tanta fominha!
|
| tree | Tanta fominha!
|
| tree | Até que tivemos de nos tornar a vir-nos virmos aqui meter.
|
| tree | Chegámos cá,
|
| tree | não ganhávamos também nada.
|
| tree | Eu tinha sete filhinhos em volta de mim.
|
| tree | Depois o meu marido disse assim: "Olha, vamos para Lisboa".
|
| tree | Foi a minha filha mais que lá está,
|
| tree | a Ermelinda, Ermesinda.
|
| tree | Foi para lá, coitadinha,
|
| tree | lá nos para lá nos foi chamando,
|
| tree | para lá nos foi cha-,
|
| tree | para lá fomos todos.
|
| tree | Lá a gente já ganhava mais alguma coisinha
|
| tree | e eu trabalhava
|
| tree | e ele trabalhava.
|
| tree | E E já começava um pequeno que tinha…
|
| tree | Com doze aninhos a carregar já com com uma coisinha ao ombro, [vocalização] para uma drogaria,
|
| tree | esfolava os ombrinhos todos, e tudo, coitadinho.
|
| tree | Mas já ia ajudando a ganhar.
|
| tree | Para lá estivemos assim muito tempo,
|
| tree | lá começámos a andar numa vendinha, eu e o meu marido,
|
| tree | e lá íamos mantendo os filhinhos sem vergonha do mundo.
|
| tree | Mas chorei tanta lágrima, minha senhora, tanta lágrima!
|
| tree | Passei tantos trabalhos, tantos trabalhos!
|
| tree | Eu se eu se pu-, ti soubesse ler, havia de fazer um romance.
|
| tree | Fomos,
|
| tree | ele ganhava vinte e cinco escudos,
|
| tree | e eu ganhava…
|
| tree | Nem sei!
|
| tree | assim coisinhas de casa ainda.
|
| tree | Assim rou- comidinhas e roupinhas para as crianças, e assim.
|
| tree | E depois [vocalização] lá estivemos assim um muito tempo.
|
| tree | Depois, um dia eu disse assim para o meu Emanuel: "Emanuel, e se tu saísses do trabalho, que ganhas tão poucochinho, e arranjássemos uma a ir vender uma frutinha, ou assim qualquer coisinha, que ganhássemos mais alguma coisa"?
|
| tree | E ele, coitadinho, disse-me assim…
|
| tree | O meu ho-, o meu marido, quando era assim novo, era muito perfeito.
|
| tree | Era muito elegante, muito…
|
| tree | E E, sabe, e sabe falar assim como que…
|
| tree | Não sabe ler nada mas sabe falar muito bem.
|
| tree | Toda a gente gostava dele.
|
| tree | E então eu disse-lhe assim: "Olha, ias à ribeira,
|
| tree | lá um cestinho de fruta
|
| tree | e eu mais o Epicurito" – que era o meu filho mais velhinho que eu tinha comigo – "íamos por aí vendê-lo àquele prédio,
|
| tree | podia ser que o vendêssemos".
|
| tree | O prédio tinha muitos andares.
|
| tree | E eram muito nossos amigos.
|
| tree | Aquela gentinha toda era gostava de nós.
|
| tree | [pausa] Depois lá me foi comprar um cesto de figos.
|
| tree | Foi a primeira [vocalização] oferta, a primeira coisa que…
|
| tree | A primeira venda que eu fiz.
|
| tree | Eu e o pequeno pegávamos – era um cesto –,
|
| tree | pegávamos cada um na sua asinha, pelas escadas acima, de porta em porta, de porta em porta,
|
| tree | vendemos os figuinhos todos.
|
| tree | Ganhámos nesse dia sessenta escudos.
|
| tree | Ah, foi uma alegria que eu sei lá!
|
| tree | E- Ele vinte e cinco,
|
| tree | e nós sessenta.
|
| tree | "Bem, já ganhámos para hoje comermos e amanhã".
|
| tree | E os mais pequenos.
|
| tree | Estávamos numa sobre, sobre, sobre-cave, minha senhora.
|
| tree | Estávamos todos metidos debaixo da terra.
|
| tree | Que nos arranjaram lá, [vocalização] uma gente que lá estavam a viver,
|
| tree | lá lá estávamos metidos.
|
| tree | [pausa] Depois, bem, lá ao outro dia fomos, comprámos um cesto de de ameixas [pausa] brancas.
|
| tree | Também as vendemos,
|
| tree | também ganhámos uns cinquenta ou sessenta escudos.
|
| tree | Até que eu desiludi o meu marido,
|
| tree | assim: "Olha, se nos houvesse quem nos alugasse um triciclo"…
|
| tree | Que é um carrinho que…
|
| tree | Não sei se a senhora já viu?
|
| tree | Tem duas rodas à frente,
|
| tree | tem um tabuleiro,
|
| tree | e tem atrás –
|
| tree | como que é uma bicicleta,
|
| tree | o que é, tem um tabuleiro assim, uma armaçãozinha de madeira aonde a gente punha a fruta.
|
| tree | "Se arranjasses quem to alugasse [vocalização] por dia, a pagarmos"…
|
| tree | a pagar dez mil réis por dia.
|
| tree | Começámos a [vocalização] a ficar na venda,
|
| tree | depois começámos a vender um peixinho.
|
| tree | Lá nos íamos governando.
|
| tree | Começaram os p-, os rapazes a ir para a tropa,
|
| tree | foram…
|
| tree | Tinha lá três,
|
| tree | foram todos os três para a tropa.
|
| tree | Primeiro foi um, e depois juntaram-se lá todos três.
|
| tree | Ficámos nós só [pausa] os dois
|
| tree | e as pequenas e os pequenos a estudarem lá na escolinha, e assim,
|
| tree | lá ficámos.
|
| tree | Lá começámos a ir,
|
| tree | lá andávamos quando foi que o meu filhinho morreu.
|
| tree | Já íamos ganhando assim alguma coisinha,
|
| tree | eles já todos ganhavam
|
| tree | e então aquele filho…
|
| tree | [pausa] Não era por ser meu filho, mas coitadinho, recebia o ordenadinho dele,
|
| tree | consoante o recebia assim no-lo dava.
|
| tree | Eu às vezes dizia-lhe assim: "Ó Epifânio, [pausa] fica fica com alguma coisinha para ti, então, se às vezes"…
|
| tree | "Ó mãe, para mim chega-me as chegam-me as gorjetinhas"!
|
| tree | E lá estivemos até que depois…
|
| tree | Quando ele morreu, olhe, perdemos o norte à [vocalização]…
|
| tree | Nem ele, nem eu governávamos vida.
|
| tree | Ficámos doidinhos!
|
| tree | Ficámos doidinhos por com aquele filho,
|
| tree | embora.
|
| tree | E os filhos casaram-se – alguns lá estão casados –
|
| tree | e eu e mais ele…
|
| tree | Primeiro vim eu, depois veio ele cá ter.
|
| tree | Ele curou aquela perna:
|
| tree | ficou sem a rótula do joelho também logo atrás de o filho morrer.
|
| tree | Depois ficou muito aleijado,
|
| tree | n- não lhe deram nada, porque o ladrão do do patrão com quem ele andava a trabalhar…
|
| tree | O que tinha fez tudo no nome de duma filha ou dum filho,
|
| tree | e não nos deu nada.
|
| tree | Fomos para tribunal,
|
| tree | não nos deu nada.
|
| tree | Depois viemos-nos embora para cá,
|
| tree | olhe, temos ficado aí…
|
| tree | Ele Ele aleijado e eu muito doente!
|
| tree | Apanhei os diabetes, a ureia no sangue e nas urinas, uma sinusite,
|
| tree | é o coração,
|
| tree | é o fígado,
|
| tree | é tudo.
|
| tree | Mas cá vamos indo com a graça de Deus Nosso Senhor agora, olhe.
|
| tree | Agora dão-nos aquela esmolinha da Casa do Povo [pausa] aos dois,
|
| tree | já a gente vai vivendo.
|
| tree | Já a gente vai vivendo.
|
| tree | Também nos dão alguma coisinha do meu filho
|
| tree | mas dão-nos muito poucochinho.
|
| tree | E morreu na nação mais longe que temos:
|
| tree | foi em em…
|
| tree | |
| tree | INF1 Em Timor.
|
| tree | Morreu lá tão longe
|
| tree | e e ganhamos muito menos que ganham por aí os outros.
|
| tree | D- Dão-nos muito poucochinho.
|
| tree | Mas então?!
|
| tree | Mas havemos de viver vir até que Deus queira.
|
| tree | Também a idade é…
|
| tree | Ele já tem setenta e três anos.
|
| tree | Já vai fazer setenta e quatro no dia dez do mês do Natal.
|
| tree | E eu faço agora no dia dezassete setenta e um.
|
| tree | [pausa] Mas claro.
|
| tree | Cá vamos com Deus Nosso Senhor.
|
| tree | É assim.
|
| 