tree | INF1 A senhora sabe uma coisa?
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tree | INF2 Já a gente não pode mais.
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tree | INF1 Eu quando me casei, casei-me com a idade de vinte e três anos
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tree | e a minha mulher tinha dezassete anos e meio de idade.
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tree | A gente casámos-se novos.
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tree | E a gente carregámos de família.
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tree | Arranjámos nove filhos!
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tree | [pausa] E a sorte que eu tive foi andar sempre na pesca da alvacora e na pesca do atum.
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tree | Nunca tive sorte nenhuma eu.
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tree | Andei para aí tanto ano,
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tree | nunca arranjei dinheirinho que comprasse sequer uma casa para viver.
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tree | [pausa] Tenho um irmão na América que é o Francílio…
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tree | INF2 Com toda essa família, até podia mesmo alugar um nada de chão.
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tree | INF1 Eu tenho um irmão na América, que é o Francílio, [pausa] que é o mais velho de todos…
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tree | INF2 Eu não sei se a senhora se quer…
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tree | INF1 Tenho…
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tree | INF1 Tenho…
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tree | INF2 Ah, não faz mal nenhum.
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tree | INF1 Tenho o meu irmão Francílio – que é o mais velho de todos – na América já há vinte e seis anos, feitos no dia 24 de Agosto, passados já vinte e seis anos,
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tree | [pausa] nunca fez bem nenhum a irmão nenhum, nem a pai nem mãe.
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tree | Que meu pai, que Deus tem, já morreu há oito anos!
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tree | INF2 Ah, isto é gente sua,
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tree | deixe lá!
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tree | as orelhas!
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tree | INF1 O meu pai, que Deus tem, morreu já há oito anos.
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tree | Morreu com sessenta e cinco anos.
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tree | Eu tenho minha mãe viva e os meus irmãos todos pobres.
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tree | [pausa] Que a gente não temos propriedade nem casa.
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tree | Não temos coisa nenhuma!
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tree | INF2 Eu só tenho uma coisinha
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tree | e já não olho para os outros.
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tree | INF1 Não tenho nada de meu.
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tree | Não tenho.
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tree | Eu era de família Eu era de família pobre.
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tree | A gente não tem…
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tree | A gente não tem…
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tree | Nada tem dinheiro!
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tree | INF2 Rhum!
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tree | INF1 Quando foi agora então ultimamente, a minha irmã, coitadinha, carregada de filhos,
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tree | e conseguiu ir tirar os papéis americanos,
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tree | [pausa] foi três vezes ao exame…
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tree | INF2 Coitada!
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tree | Por isso, Nosso Senhor nunca lhe há-de faltar!
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tree | INF1 E ela foi carregada de filhos!
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tree | Levou sete filhos consigo.
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tree | INF2 É a vontade.
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tree | INF1 E ela foi com [vocalização], foi foi por três vezes ao exame [pausa] para tirar para jurar a bandeira americana, para tirar os papéis para chamar a gente
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tree | [pausa] e sempre ao fim de três vezes que lá foi [pausa] não tirou.
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tree | INF2 Nosso Senhor nunca lhe há-de faltar!
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tree | INF1 Ora, uma irmã minha, [pausa] o marido sempre tinha uma casinha sua,
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tree | e tinha mais uns arbustos,
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tree | fazia aí setenta ou oitenta contos, ou cem.
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tree | [pausa] Sempre pensou em ir
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tree | e foi.
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tree | [pausa] E já fez dois anos agora [pausa] no tempo das vindimas.
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tree | INF2 Quem vai sempre se amanha.
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tree | INF1 Foi.
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tree | [pausa] E veio carta para ela, como veio para mim, e para o meu irmão.
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tree | "Francisco, mas tu estás aqui a vender peixe, Francisco"?
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tree | Um que anda em negócio, que é com vinho, que anda aí sempre em cabelo…
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tree | [pausa] A senhora está a ver,
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tree | está já está a saber quem é?
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tree | INF2 É um rapaz baixo.
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tree | INF1 É isso mesmo.
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tree | INF2 Também dizem que ele é sobrinho da Goreti.
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tree | INF1 Pois é isso mesmo.
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tree | INF2 Ai, conheço muito bem esse rapaz!
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tree | INF1 É É isso mesmo.
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tree | É o meu irmão Francisco!
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tree | INF2 Outro dia é que eu conheci a mulher dele.
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tree | É perfeita!
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tree | E os seus pequeninos!
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tree | INF1 O lourinh O louro, é [vocalização] um rapazinho forte.
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tree | É isso mesmo.
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tree | É o meu irmão.
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tree | INF2 Pois,
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tree | e foi no dia da Senhora do Livramento que eu perguntei: "Este senhor é seu marido"?
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tree | E aí é que a rapariga disse que era.
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tree | INF1 Quando a gente tivemos a carta todos juntos, [pausa] o meu irmão nega-se,
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tree | não quis ir.
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tree | O meu cunhado sempre tinha uns pataquinhos…
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tree | INF2 O senhor há quantos anos é que está casado?
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tree | INF1 Eu?
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tree | Há vinte e quatro.
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tree | Há vinte e qua- Há vinte e três ,
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tree | e a pegar em vinte e quatro.
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tree | Vou Não.
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tree | Vinte e três anos feitos no dia 4 de Maio.
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tree | INF2 Eu no tempo [pausa] Eu no tempo que eu me casei ganhava-se era a quatro escudos.
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tree | INF1 Sim.
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tree | INF2 Quatro escudos.
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tree | INF2 Cada dia.
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tree | Sim senhora.
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tree | E ainda comprámos…
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tree | INF1 Isto aqui era uma miséria!
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tree | Isto aqui era uma miséria completa, homem!
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tree | INF2 E ainda comprámos…
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tree | E ainda comprei um bocadinho de pa- de pasto e terra.
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tree | INF1 Rhum-rhum.
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tree | INF2 E na outra banda comprei um bocadinho de mato.
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tree | Mas também era a apertar bem, bem, bem para dentro.
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tree | Os ovinhos das galinhas eram poucos,
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tree | queria mandar para a loja para sabão e petróleo e fósforos.
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tree | E [vocalização] o meu homem trabalhou para o senhor meu sogro, um ano, só por um alqueirinho de milho.
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tree | Um alqueirinho de milho era abondo…
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tree | INF1 Isso era um tempo desgraçado!
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tree | Isso era o tempo mais triste que pode haver.
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tree | INF2 Oh!
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tree | E o meu homem trabalhou lá vinte e três anos
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tree | e ele tinha [vocalização] sete reses,
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tree | nem sequer lhe deu-lhe uma juntinha de gado,
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tree | e o meu homem ainda trabalhou para isso.
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tree | INF2 Ninguém lhe agradece.
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tree | INF1 Não passávamos fome
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tree | mas também não tínhamos grandezas.
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tree | INF1 Está claro!
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tree | INF2 Até eu, era uma coisa que eu era habituada em casa de minha mãe, ter o meu café e leite,
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tree | e ele comprou gado,
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tree | comprou carro,
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tree | comprou arados, e grade, estas coisas todas
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tree | e nunca mais cheguei a beber uma pinguinha de café, senão daí a um ano, pelas matanças.
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