tree | INF Olha, eu vou fa-, eu vou fala- vou falar muito da matança,
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tree | mas também gostaria de falar – se se permite, se tem interesse, se não tem interesse não falo – do nosso artesanato principal
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tree | que que as pessoas daqui viveram muito,
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tree | viveram mui- ajudou muito a sobreviver o pessoal deste lugar,
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tree | era as palhas – o junco.
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tree | [vocalização] O junco é uma era um uma erva que dava nos cerrados do mato [pausa] e dava no fundo da caldeira.
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tree | Por exemplo, aquilo corta-se o junco praticamente no dia no mês de Julho, Agosto.
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tree | Cria uma altura mais ou menos de metro e meio – metro, metro e meio.
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tree | E [vocalização] ia-se ao fundo da caldeira buscar molhos de junco,
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tree | ,
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tree | ao sol [vocalização] a secar, a curar
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tree | e depois com isso fazia-se tapetes,
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tree | malas e que depois iam-se vender.
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tree | INF Malas de mão.
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tree | Malas de A gente chamava mala de quarta, a mala de meio alqueire, meio mala de, de, de cin- de três quartas, por exemplo.
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tree | Eram umas malas feitas numa forma de madeira.
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tree | Portanto, o junco vinha,
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tree | era curado,
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tree | e depois era amolado –
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tree | que também lá na Casa Etnográfica tem a máquina que se amolava o junco –,
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tree | ficava amaçado,
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tree | e depois faz-se trança.
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tree | INF Um engenho de amolar palha.
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tree | [vocalização] Fazia-se o [vocalização] Fazia-se a trança…
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tree | Por exemplo, como eu aqui já disse, sempre foi o lugar de as pessoas se juntarem e trabalharem em grupo.
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tree | [vocalização] Íamos ao junco em grupos,
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tree | [vocalização] às vezes vinte, quinze, vinte pessoas juntavam-se:
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tree | "Olha, hoje vamos ao junco"!
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tree | Havia pessoas que iam em grupos mais pequenos porque havia pessoas que praticamente viviam só daquilo e iam muita vez ao junco!
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tree | Eu conheci pessoas de irem três dias por semana:
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tree | iam à segunda
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tree | e iam à quarta
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tree | e iam à sexta-feira ao fundo da caldeira buscar molhos de junco.
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tree | Depois juntava, amola- amolava-se a palha,
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tree | serões.
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tree | a quarenta mulheres a fazer serões nas casas [vocalização] dois dias: segunda e terça para uma casa, terça e quarta para a outra, e quinta e sexta para a outra.
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tree | De tarde íamos amolar palha.
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tree | Até era bonito!
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tree | Porque os engenhos de muito trabalhar cantavam.
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tree | Guinchavam.
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tree | E a gente passava,
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tree | "Olha, fulana vai fazer serão hoje porque estavam a amolar palha,
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tree | estavam os engenhos a gu- a guinchar"!
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tree | A gente passava pela rua
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tree | e via às vezes oito, dez engenhos a amolar palha.
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tree | Porque não eram as pessoas todas que iam ao serão da noite que vinham amolar a palha.
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tree | A palha era as pessoas mais íntimas, mais amigas.
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tree | [vocalização] Ele enquanto se amolava, iam outras iam começar os cabos.
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tree | Porque aquilo começavam-se vinte cabos, que duas pessoas faziam o mesmo cabo:
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tree | peças de trança de três dúzias.
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tree | Era o normal das pe-.
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tree | Ainda Todas as coisas tinham os seus pormenores.
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tree | Uma peça de trança eram três dúzias, trinta e seis varas de trança.
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tree | A trança era medida à vara.
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tree | [vocalização] E depois umas começavam os cabos,
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tree | as outras iam amolando.
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tree | rendendo umas às outras
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tree | porque aquilo era cansativo!
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tree | Uma pessoa que amolava palha uma tarde inteira, principalmente o junco que era ri- era duro, era rijo, acabava cansada
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tree | e acabava a tran- a transpirar.
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tree | De Inverno e transpirava-se!
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tree | [vocalização] Um bocadinho talvez para para entusiasmar, faziam-se uns [vocalização] as favas torradas, milho torrado e [vocalização] .
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tree | Não era uma coisa que toda a gente fizesse, mas:
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tree | "Olha, fulana hoje deu milho torrado"!
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tree | Ele torrava-se o milho no tijolo
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tree | e deitava-se-lhe açúcar entremeio,
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tree | e outras torravam favas.
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tree | Depois então faziam-se os serões com as tranças, às tranças,
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tree | e depois faziam-se os tapetes.
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tree | [vocalização] Penso que esses que não que já não devem existir,
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tree | mas eu tenho uma vizinha minha que fez [pausa] esteiras…
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tree | passadeiras,
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tree | porque o que hoje se usa de oleado, naquele tempo usavam-se era tapetes de de junco.
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tree | Iam vender para a cidade,
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tree | iam vender para fora da freguesia,
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tree | porque era esta a única freguesia –
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tree | Salão fazia também alguma coisa,
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tree | mas era pouco –,
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tree | era esta freguesia que fazia tapetes e ta- e passadeiras para toda a volta da ilha.
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tree | Ora, fazia-se um tapete de metro, um tapete de cinco quartas, para se ganhar quatro escudos!
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tree | Mas naquele tempo era assim.
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tree | [vocalização] Mas a casa do senhor doutor Jales, o falecido doutor Jano Jales, o seu quarto-de-jantar era todo forrado de – em volta, a parede, uma uma certa altura – de de esteira de trança de junco.
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tree | Uma vizinha minha é que lhe fez isso.
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tree | Com certeza que já não deve de existir porque isso já foi há mais de cinquenta anos.
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tree | Mas a casa dele era forrada, o seu quarto-de-jantar.
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tree | E faziam-se…
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tree | Pessoas ricas fa- mandavam fazer esteiras que depois eram ram- enramadas.
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tree | parte da trança em cores: verde, cor-de-rosa,
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tree | e enramavam os tapetes,
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tree | enramavam as passadeiras.
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tree | [vocalização] Corredores muito grandes, até às vezes fazia-se a passadeira…
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tree | fazer passadeira para casas de doutras pessoas que tivessem quartos maiores,
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tree | porque, às vezes, havia quartos que nem suportavam o comprimento das das passadeiras que eram encomendadas, que vinham com as suas medidas.
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tree | Depois a seguir, ele a ép- [vocalização] a época do junco era cultivar no Verão e trabalhar no Inverno.
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tree | De Verão, também se colhia a também se escolhia o…
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tree | Era o tempo do trigo
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tree | e escolhia-se a palha do trigo para se fazer os chapéus.
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tree | [pausa] Também as pessoas trabalhavam em grupo.
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tree | Não tanto como na jun- como no junco,
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tree | mas também havia também se fazia os serões a coser chapéus, a fazer a trança.
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tree | a palha com as mesmas regras do do junco,
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tree | só que a palha era muito mais macia de trabalhar.
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tree | INF Fazia-se os tap- os chapéus, alguns brancos, outros de cor, chapéus de criança, chapéus de homem, chapéus de mulher,
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tree | e dava-se a volta à ilha a vender os chapéus.
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tree | Trazia Às vezes trazia-se encomendas, outras vezes nem sem encomenda,
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tree | mas lá se ia vender.
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tree | Eu, então chapéus – tapetes nunca fui vender –, mas chapéus cheguei a vender.
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tree | E também havia casas na cidade que vendiam.
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tree | A gente vendia a eles para depois eles voltarem a vender a outras pessoas.
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tree | tempo da base naval, da segunda guerra mundial, houve aqui uma base naval na Horta
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tree | que então isso houve muita avalanche de muitos trabalhos que se faziam.
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tree | trabalhos de canudos,
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tree | que lá no dito, na na dita Casa Etnográfica, há lá amostras de tudo o que se fazia.
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tree | [vocalização] Faziam malas de trança,
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tree | faziam malas de junco,
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tree | faziam cabazinhos também em canudo, muitos trabalhos,
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tree | que asquelas pessoas, aqueles ingleses, talvez, para levarem como recordação desta terra…
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tree | Muito negócio se fez naquela altura com esses com esses ingleses da base naval!
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tree | INF O que é que se chama o canudo?
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tree | O canudo é a parte do trigo que…
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tree | Tem a espiga;
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tree | a seguir à espiga, a gente chamava palha de ponta, que era a ponta do trigo;
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tree | o canudo é [vocalização] aquela parte da palha que fica mais junto à terra, mais grosso e mais macio de trabalhar.
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tree | [vocalização] Os chapéus, também se pintavam as pa- as tranças – as palhas – para se pintar os chapéus.
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tree | Também se faziam chapéus [vocalização] tapetes de palha de ponta.
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tree | Mas então esses não eram para vender.
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tree | Esses eram para as pessoas que trabalhavam.
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tree | Por exemplo, a gente fazíamos [vocalização] esteiras bonitas de palha de ponta para pôr naqueles quartinhos de entrada – que nem salas eram, mas eram os quartinhos melhores que as pessoas tinham.
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tree | [vocalização] Quando havia um noivado, a pessoa entre o seu enxoval também punha os seus tapetes, de palha de ponta.
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tree | As tranças pintadas de amarelo para fazer os tapetes amarelos, enr- enramados.
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tree | Havi- Que havia ramos bonitos, que se bordavam nos nos tapetes, trabalhos bonitos!
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tree | [vocalização] Na Casa Etnográfica ainda aparecem lá muitos tapetes e muitas t- esteiras…
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tree | INF Faz-se o tapete.
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tree | INF O tapete era urdido no meio chão,
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tree | [vocalização] pregavam-se pregos.
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tree | Ainda me lembro que uma passadeira levava dezasseis pregos;
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tree | um tapete, que era mais largo, levava a vinte e dois, conforme.
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tree | O tapete, se era para pôr ao pé da cama, era de cinco quartos.
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tree | Por exemplo, [vocalização] fazia-se o tapete,
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tree | e depois tapava-se – uma por baixo –, uma espécie do tear.
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tree | INF Ele metia-se por baixo e por cima,
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tree | e tapava-se.
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tree | E depois quando o tapete está feito, a trança pintada era bordada com uma agulha de ferro – e até de madeira,
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tree | havia pessoas que sabiam fazer agulhas de madeira –,
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tree | a trança entre [vocalização] entre aqueles aqueles altos e baixos do tapete.
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tree | rosas,
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tree | datas,
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tree | nomes.
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tree | INF E [vocalização] era bonito!
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tree | Eram trabalhos bonitos,
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tree | eram trabalhos feitos que hoje a gente…
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tree | tempo não se sabiam apreciar como hoje se aprecia, porque era uma coisa vulgar,
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tree | toda a gente tinha.
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tree | Hoje é uma coisa rara.
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tree | Eu lembro-me que quando me casei fiz um cão –
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tree | bordei um cão no meu ta- num tapete para pôr ao pé da minha cama –, um cão empoleirado.
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tree | Era, era uma lin- Era um lindo cão!
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tree | Ora, o tapete estragou-se<
tree | e não foi de ser usado.
| tree | de usar os tapetes,
| tree | que apareceram outros tapetes mais não mais bonitos mas diferentes,
| tree | e o meu acabou por se estragar porque eu o abandonei.
| tree | [vocalização] Tenho ainda um que então esse eu não…
| tree | Era com um ramo de flo- um ramo de rosas muito bonito, que era posto do outro lado da cama.
| tree | De maneira que era uma arte que nós tínhamos de embelezar a nossa casa com as nossas próprias mãos,
| tree | porque não havia dinheiro que se pudesse chegar mais.
| tree | [pausa] Portanto, esta era uma da parte de de artesanato que teve muita actividade na nossa freguesia, quer para as pessoas usarem no seu próprio uso, quer para fazerem dinheiro.
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